21 fevereiro 2023

Das escolhas que a gente faz

 

Nem sempre a gente está consciente das escolhas que faz; diria que, na verdade, a gente quase nunca tem essa clareza. No entanto, é fato que a todo instante a gente escolhe. Isso está, aliás, expresso na lead desse blog: "a consciência de que eu escolhi ser magra". 
Acontece que, no correr do dia a dia, nesse cotidiano monstruoso em que Sísifo empurraria a pedra alegremente (porque haveria alguma previsibilidade do que aconteceria no dia seguinte, e não a avalanche do imprevisível nem a soterradora necessidade criada de o ser humano fazer tudo-ao-mesmo-tempo-agora), a pessoa acaba se deixando levar. Não porque conscientemente quer ceder, mas porque procura um caminho alternativo, um alívio, e faz isso pelos caminhos menos positivos para ela. No caso de alguém que, como eu, luta para manter a saúde, luta para ser magra, uma ansiedade aqui, um prazo ali faz com que eu ceda e me esqueça que priorizar o aqui e o agora, que me priorizar significa manter a disciplina, manter o foco no meu objetivo. Nesse processo, podemos criar qualquer dispositivo de distração, e qualquer desculpa se torna rota de fuga de nós mesmos.  
Qual é o problema disso? É que não há atalho nem rota de fuga da vida. Para que encontre o sentido da vida e haja plenitude, a pessoa precisa invariavelmente entender que não lhe é dado escolher o que lhe acontece, mas como lidará com o que lhe ocorre. Eu leio, ou arrumo minha escrivaninha, ou vejo séries, mas nada vai resolver a pilha de trabalho e fazer o "tick" aliviante na lista de tarefas a resolver a não ser que eu mesma faça isso. Ora, mas eu não quero essa lista. Muito bem, o que eu quero? "Quero viver sem nada fazer" talvez fosse a resposta esperada. Não para mim: eu só encontro sentido na vida "carregando pedra", mas ela pode ser determinada: de que tamanho? De que peso? Por quanto tempo? Até onde? Com que finalidade? E, de repente, quando a gente começa a fazer essas perguntas mais inteligentes, começa a entender que há resultados alcançáveis. 
O preço para isso tudo é, certamente, a disciplina. E o que é a disciplina? É a escolha levada a sério. Ninguém precisa me cobrar a não ser eu mesma, e nem assim seria cobrança, porque a partir do momento em que eu escolho, eu, a partir de mim mesma, colho resultados que refletem no mundo: ex-colho ser melhor, ser útil, ser feliz, e encontrar um meio de fazer as coisas melhores do que se me apresentam. Eu escolho lidar com a realidade.
Toda escolha implica abandonar um caminho. O que eu levo adiante? O que fica para trás? O que não cabe mais em mim? Isso vale para tudo: roupas, maquiagem, bijoux, palavras, atitudes, comida, bebida, sentimentos, valores e crenças. Alguns abandonos são fáceis de fazer, mas outros podem custar, porque até que eu assimile que sua manutenção causa dano em vez de ajudar, vai um bom caminho. É nesse momento que surge a importância de manter a consciência da escolha: se eu escolhi ser magra (e eu já percorri o caminho das perguntas e das respostas que surgiram na análise de mim comigo mesma e com o mundo e no mundo), eu estarei consciente de que algumas coisas são sim, gostosas -- eu não vou maquiar dizendo que não faz falta porque eu já sei o gosto que tem um doce ou um sanduíche, por exemplo --, mas que o resultado do consumo me deixa mais longe do que eu quero para mim mesma. 
A pressão da vida é traiçoeira, e a gente pode se ver presa fácil dessa pressão: é marido com vários pontos de estresse, é filha, é casa para dar conta, é o trabalho, são as intermináveis e invencíveis contas a pagar, e "do nada" (como se fosse assim...) a gente acha que "ah, uma vez não mata". E, então, essa "uma vez" vira mais uma, mais uma e mais outra. Quando vemos, nosso relógio continua a girar para a direita, mas regredimos no que queremos. 
Como qualquer outra coisa que deparamos, o processo de emagrecimento envolve todo esse mundo de coisas. Nunca é "a comida", o doce, a cervejinha (eu não gosto de cerveja, mas há quem adore e tudo bem), e sim a necessidade do alívio. Para isso, cada um cria a rota que lhe convém. Sim, convém: convém para, até mesmo, aliviar o coração do peso da culpa por ceder.  Nesse caminho, para mim, cuja trajetória é de luta longa e com muitos obstáculos que consegui vencer com uma rede de apoio incrível, a vigília continua. "Vigília" é sinônimo para "consciência" da minha escolha. Eu tento encontrar, constantemente, caminho para manter essa escolha, e se eu caio, se eu cedo a uma fuga, a uma desculpa, o importante é reconhecer, aceitar e acertar a rota para frente de novo. 
Recentemente, precisei ter dois dentes extraídos (a minha história com dentes é longa e é outra luta que empreendo desde que comecei a faculdade), e eu usei esse evento como desculpa para comer. O que é, afinal, um sorvete gelado para o corpo se vai me ajudar na cicatrização? O que é uma batata e uma mandioquinha na sopa batida, já que não vou comer o ovo? Ah, mas já que é Carnaval e eu já comi sorvete de montão e sopa com carboidrato, o que são alguns dias até o término do Carnaval para que eu tenha folga? 
"Folga" de quê, meu Deus? Se fui eu que escolhi esse caminho, não é folga; é meu caminho e ele não tem de ser ruim. Faz parte do processo manter até chegar no objetivo. Eu estabeleci metas, etapas e prazos flexíveis, que sejam "cumpríveis", que sejam sustentáveis. O que não cabe nesse projeto? Não cabe me sabotar. Não cabe comer pão de novo, nem sorvete. Ah, mas uma vez não mata. Se fosse uma vez talvez desse certo. Só que eu ainda não atingi meu ponto de equilíbrio e o abandono do projeto não me levará ao propósito -- ao contrário, ele me afastará demais. Ele me afastou, nesses cinco dias, em mais dois quilos e meio, ou seja, dos 52,1 que eu tinha, estou com 54,6 kg. 
Pois bem: eu reconheço porque faço esse exercício de análise, aceito, e entendo que há outros modos de "aliviar", de "compensar" a pressão que não seja comer a minha emoção. No "quesito" objetivo, a "ala" foco deve receber nota 10, e ela só depende de mim para ser atingida. Quando eu digo que só depende de mim, não é autossuficiência, mas a ideia de que eu posso e devo acionar minha rede de afetos, de distrações saudáveis, de atividades, de desvios de atenção, de autocuidado e de toda a complexa rede que me faz ser quem eu sou para que dê certo. 
Corrigir a rota é voltar minha atenção para mim e para o que eu escolhi. Eu escolhi ser magra. Escolhi ser magra pelos motivos errados, como a pressão pela beleza e pela estética da mulher magra, e no caminho eu aprendi os motivos certos. Eu entendi que ser magra é ser leve e ter saúde. Quero ser magra de sentimentos ruins, de mágoa, de rancor, de inveja, de ira, de qualquer coisa que seja ruim. É fácil? Assim como emagrecer o corpo, manter o coração -- metaforicamente falando -- não é tarefa fácil, e eu sei que um coração e uma mente saudáveis implicam diretamente resultados de um corpo saudável. É uma dialética perfeita, um yin-yang que só tem a oferecer paz e plenitude. 
Eu ouvi hoje um profissional terapeuta citar Clóvis de Barros Filho: "felicidade é a gente não querer que aquele momento acabe". Eu acredito que, como "não há mal que nunca perdure nem bem que nunca acabe", a felicidade se traduz como momentos da nossa vida. Eu escolho construí-los tantos quantos eu consiga, e eu os mantenho vivos no meu coração. Quando eu deixar minha vida e meu espírito retornar ao Lar, o que levarei serão esses aprendizados, as vivências, as memórias, o conhecimento adquirido. Se eu puder sair daqui leve, será maravilhoso, mas antes disso eu quero viver de forma mais leve. O processo, no entanto, não é simples e exige consciência da nossa própria escolha. 
Por hoje, antes de o Carnaval acabar, eu escolho retomar a rota do meu objetivo, escolho manter as ações necessárias para atingir meu ponto de equilíbrio, e escolho cozinhar, como essa vitamina de morango com leite de amêndoa e esse ovo mexido que fiz e está na foto, ou a "lasagna de leguminosas e ricota" que cozinhei ontem, escolho beber mais água (ainda que isso me custe o inconveniente de ir mais ao banheiro, com a dificuldade que tenho porque não ando), escolho fazer minhas listas e escolho cumprir o que eu estabeleci, pensando em mim e nos que me rodeiam, o que é bom. Escolho, amanhã, com a anuência das dentistas, retornar à academia, que frequento desde 18 de novembro, para continuar minha caminhada. É uma caminhada de descoberta de mim mesma, de reconhecimento a todos e todas que fizeram e fazem parte dela, e uma maneira linda de aprender a me superar a cada dia, a ressignificar a dificuldade e entender que ela existe, mas que ela será incapacitante o quanto e o tanto que eu permitir que ela seja. Por hoje, eu a venço. Venho para compartilhar essa minha humanidade, meu sincero desejo de que cada um e cada uma encontre dentro de si essa força, essa fé, esse sopro que nos anima diariamente.